Kober's delusions

Uma válvula de escape para o dia-a-dia. Idéias, legendas e eficácia gramatical. Bom, bem coisa de louco mesmo.

terça-feira, julho 24, 2007

Alteridade no Luto

Sempre senti vergonha pelos outros. Ao ver uma cena idiota, uma pessoa fazendo algum tipo de atitude infeliz, a mocinha correndo para o lado em que o monstro está, o político fazendo gestos obscenos, meu artista favorito desafinando, enfim, sinto vergonha por eles, como se de mim adviessem todos os passos necessários para a não-realização da ação no momento preciso. Isso nunca mudou, obviamente, a existência propriamente dita dos feitos, mas mudava minha forma de ver a própria situação. E eu me sentia mais humano com isso, me compadecendo por algo de que eu não tinha culpa.

Essa visão do outro e decorrentes sentimentos não-meus me creditavam uma espécie de limbo humanístico, em que eu me via como um ser bom, desprovido de todos os traços não bons que perfazem um tipo de identidade minha. E eu me sentia bem, afinal eu conseguia me pôr a serviço de uma alteridade decente, crível e exeqüível, ainda em desuso pela maioria de nós.

Mas alteridades não são confiáveis em sua totalidade.

Todos sabem o que aconteceu semana passada com o Airbus da Tam. Tragédias desse tipo me abatem de alguma forma inexplicável, mas acho que isso é senso comum no nosso país. Somos solidários por natureza, e quem não o for recebe o moroso convite de não se considerar brasileiro. Eu me considero um, a contragosto de diferentes maneiras.

Mas me ponho na posição de me sentir mal ao ponto de estar no mesmo nível da vergonha que sinto por certas pessoas, como disse antes. Ponho-me, inclusive, na posição de ter o direito de lamentar por isso como lamenta quem foi diretamente afetado com o acidente. Eu não conhecia ninguém naquele vôo, minha vida de certa forma não teve um abalo sísmico com a notícia, eu não precisei ir a enterros e nem ficar no aguardo de informações sobre alguém em específico. Porém, foi como fosse. Fosse simples como fosse me afastar, negar envolvimento e culpar o governo. Simples como continuar minha vida normalmente, apenas me compadecendo com o ocorrido. Como lavar as mãos. Não sentir culpa. Menos humano. Não.

Não faz parte de mim a abstenção em momentos como esse. Não quero a glória de ter entendido a alteridade plena nessa situação, porque a visão do outro, aquele que perdeu alguém, jamais seria a minha visão. Não posso subir a esse nível hoje, justamente pela incompatibilidade de vidas e de rumos que decorreram de tais situações. Todavia, eu ainda me dou o direito de estar de luto, como fosse um luto de protesto, de resguardo, de quem está enfezado com a vida que levamos, com a possibilidade de não voltar para casa, de não haver próximo dia, de não ser dono completo do meu futuro, como deveria ser. Um luto cadavérico, agonizante, angustiante, impotente, convalescente, coalescente.

Mesmo sem ocupar o lugar de quem tem todo o direito de sofrer, eu quero ter o direito de enlutar. Mesmo que o enluto seja um simples desabafo, um porto-seguro de raciocínio e não-comprometimento. Não vou processar pessoas, achar culpados, dirimir vôos e relocar modos de sobrevivência. Não prometo conforto, não prometo paz e não prometo acabar com a agonia de ninguém. Nem com a minha.

Prometo apenas tentar diminuir a minha própria aflição, olhando para a frente e prevendo, suspeitando e tangendo uma vida um pouco menos enlutada. O luto é parte da vida do brasileiro: saímos de um e entramos noutro, embora poucas vezes por motivos que nos sejam pertinentes de forma direta. Enlutamos pelo vizinho, pelo colega, pelo amigo do amigo, pela terceira geração de parentes, pela vida de alguém que nunca nem passou diante de nossos olhos. Enlutamos pela falta de caráter de alguém, pelo descompromisso do país, pela total ineficácia de um sistema. Enluto por fatores que nos privam de viver, de projetar o que vem.

Sem a arrogância de querer o sofrimento puro da tragédia para mim, sem a trepidez de me sentir no cerne do problema, sem a pretensão de viver o problema como quem deve o viver, eu me sinto em dívida com a alteridade da situação, sem nunca poder entendê-la como um todo, sem chegar aos cem por cento. Mas me predisponho a sonhar com o dia em que a alteridade será simplesmente compreensível a todos, o dia em que poderemos entender todas as alegrias por que os outros passam.

Prefiro a alteridade das coisas boas à alteridade de entender o final, mesmo momentâneo e metafísico, da vida de alguém.

4 Comments:

  • At 00:05, Anonymous Anônimo said…

    Gostei muito desse post e seu blog é muito interessante, vou passar por aqui sempre =) Depois dá uma passada lá no meu site, que é sobre o CresceNet, espero que goste. O endereço dele é http://www.provedorcrescenet.com . Um abraço.

     
  • At 14:32, Anonymous Anônimo said…

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  • At 17:00, Anonymous Anônimo said…

    kober, não sabia que vc tinha um blog
    o máximo que eu já tinha chegado a ler foi o teu perfil do orkut (muito bom, aliás)
    vou começar a olhar isso mais vezes
    olha, segredo, eu gosto do energia e no geral tenh que ser sincera, não me arrependo de ter mudado de escola, mas a professora de redação de lá não chega nem perto. que saudade das tuas aulas, da TUA folhinha de redação (ela não tem nem uma folhinha de redação) e não é que ela não seja boa professora, só não é ótima, e eu nem cheguei a ir pro mural das melhores redações, isso que eu lamento, haha, sério x) e isso que eu ia bem caso vc nõ lembre!
    muito sucesso pra vc, foi um ótimo professor pra mim que me ajudou muito e me fez evoluir muito no jeito de escrever..
    beijos :***
    (me adiciona no msn se tiver andreia_adamczuk@hotmail.com)

     
  • At 17:02, Anonymous Anônimo said…

    e mais uma coisa, eu sei que eu escrevi muita coisa errada ali em cima e vc vai reparar, mas eu não to cuidando o que eu to escrevendo aqui
    pronto, só isso.

     

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