Kober's delusions

Uma válvula de escape para o dia-a-dia. Idéias, legendas e eficácia gramatical. Bom, bem coisa de louco mesmo.

sábado, agosto 05, 2006

Biografia Isomórfica e Idiossincrática

é engraçado como estamos sempre diante de momentos que nós mesmos julgamos ser únicos, quando, na verdade, não passam de alguns outros simples acontecimento na vida de qualquer mortal. uma prova, um beijo, um abraço, um não, um sim, uma reviravolta, um plano, um acontecimento, uma imprevisibilidade. dizem  que todas essas coisas são dignas de entrarem na nossa biografia. eu não as quero na minha biografia. certamente nem ao menos sei o que quero, mas essas coisas eu não quero. coisas que são pseudoimportantes momentaneamente não me fazem bem; preciso de tempo. é engraçadado, da mesma forma, como o tempo serve para tudo. parece que estamos sempre numa guerra infindável contra o tempo, da mesma forma como precisamos dele por outras diversas vezes. eu, particularmente, tenho uma relação de amor e ódio com ele. ele me faz relevar coisas que eu não queria relevar, perdoar a pessoas que eu não queria perdoar, viver situações novamente que eu não queria viver. parece que minha memória mundana está sempre se perfazendo temporalmente, buscando pequenos detalhes do passado e ressignificando-os. o tempo é inimigo da experiência na minha vida. tudo o que vivi há um ano atrás não deveria estar acontecendo novamente se o tempo não me tivesse feito perdoar a pessoas e manter sentimentos. isso me torna volúvel demais; volubilidade, para alguém inconstante, é simplesmente uma mistura casi-letal. por que diabos eu deveria escrever uma biografia se os fatos serão recursivos? escrevo a biografia de um ano da minha vida então e a copio nos outros anos... 2006 idem a 2005; 2003 idem a 2005; 2004 idem a 2005. não tem graça!

mas o tempo tem sua faceta benevolente: ele me faz reaver conceitos. talvez a culpa tenha sido minha em certos momentos, então retomo a situação e tento corrigi-la para o futuro, já que sei que as coisas na minha vida são recorrentes. é como um cigarro acesso para alguém sem mãos: diante dos olhos, a felicidade plena. com ela, o sentimento de impossibilidade de fazer-se algo, pois as próprias forças são limitadas por um fator externo. é como ter quem se ama na frente, a centímetros, e não poder agir, ter de contentar-se com o olhar, com a palavra, com a dança, com os movimentos. mas, como tudo na vida de um inconstante, as coisas vão perdendo seu valor - claro, vão perdendo seu valor porque nunca quiseram ter o valor que foi dado a elas. o olhar vai-se apagando; a palavra vai ficando sem cor, rouca, afásica; a dança vai-se tornando um lugar-comum; os movimento vão adquirindo sempre os mesmos passos ritmados, sem variações. o conjunto como um todo vai adquirindo um outro significado, e vou percebendo que a importância que um dia dei a esse conjunto foi uma importância doentia, uma importância irrelevante, uma pseudoimportância. tais coisas merecem entrar na biografia?

bom, contradigo-me e digo que sim: devem. uma boa biografia inclui as vitórias, as conquistas, aquilo que conseguimos por nossos próprios méritos; uma boa biografia inclui as derrotas, o fracasso, a chance perdida, a felicidade jogada fora, a possibilidade falha de fazer novamente de forma correta e plena. porém, uma boa biografia não inclui todas essas situações quando não se tentou. quando cheguei à derrota, eu visara à vitória por tempo integral; quando cheguei ao fracasso, eu projetara coisas incríveis não só para mim; quando cheguei à chance perdida, eu dera vazão à chance de acontecer; quando eu cheguei à felicidade jogada fora, eu planejara uma felicidade ambígua, biforme, bilateral, isomórfica, idiossincrática; quando eu cheguei à possibilidade falha, eu vi, depois, que todos os meus argumentos haviam sido vãos, à toa, haviam sido individuais. então, o fato entra na biografia, pois experimentei das formas mais corretas para conseguir realizá-lo. e toda tentativa é livre, é segurada pela possibilidade de chegar-se ao destino planejado. se não se chegou, bom... percalços há no caminho. mas eu não os pus lá. e isso eu não posso controlar. enfim, entram na biografia por dois motivos: foram importantes, foram intensos, foram universais, foram diários, foram provocantes, foram sonháveis, foram quase realizáveis; e foram tentados. a realização é conseqüência.

a decisão é esta: terei duas biografias: a em que entrarão coisas feitas, projetos cumpridos e sonhos realizados, e a em que entrarão as tentativas. o tamanho de cada uma depende da interferência do fator 'o próximo' na minha vida. mas serão isomórficas e idiossincráticas, disse eu tenho certeza.