Kober's delusions

Uma válvula de escape para o dia-a-dia. Idéias, legendas e eficácia gramatical. Bom, bem coisa de louco mesmo.

domingo, novembro 01, 2009

Recorrência Visional

já deve ter ficado claro, mas geralmente me engano quando penso que algo está claro para outra pessoa: não sou psicólogo. inclusive, meu diploma está muito distante de caracterizar-me como conhecedor da psiqué humana. o que penso e o que acho sobre as coisas do mundo são apenas pensamentos meus, nos quais acredito fortemente. então: não, não escrevo para atestar teses ou referendar teorias; escrevo porque o momento existe (obrigado, cecília); escrevo porque, sobretudo, meus sentidos existem e funcionam. meu mundo é fruto de uma eterna sinestesia do que meu corpo vê, cheira, sente, ouve e toca. portanto, meu mundo é só meu.
se a ignorância é uma bênção, o conhecimento, por silogismo, deve ser o oposto. obviamente, refiro-me à ignorância no sentido do desconhecimento de mundo, que nos é, geralmente, uma bênção. estar longe dos olhos é estar longe do pensamento, estar fora do campo de realização é não existir. e quando essa linha semi-inexistente entre a voluntariedade da existência do que não está correntemente dentro do nosso foco de visão torna-se nula, transpõe-se sem nosso consentimento ou simplesmente se dilui perante nossa vontade?

não há controle, o que nos sempre será um empecilho estrondoso. quando perdemos o domínio do painel de comando dos nossos próprios devaneios, voltamos a algum tipo de lugar do qual, vitoriosamente, saímos. e essa volta, doída pela natureza que ela mesma criara para defender-se, é involuntária. o involuntarismo [atenção, aurélio] é justamente o ponto de desenlace entre a sanidade e a perturbação, entre o conhecimento e a ignorância. mas não é nosso, obviamente.

manter-se distante do que nos remete a lugares odiosos, desumanos ou detonadores de outros próprios lugares tão penúmbres quanto o próprio lugar primeiro é tarefa quimérica por si. é simples: fugimos o quanto podemos, mas o motivo primeiro da fuga não tem essa exata noção do motivo por que fugimos. e, inocentemente, entrar no nosso campo de visão é uma ação, aos intuitos do motivo, benéfica, ocasional e até mesmo normal. o que quero dizer com toda essa verborragia é: cada um vê o mundo ao seu molde, e o outro, esse eterno famigerado que nos põe à prova de nós mesmos o tempo todo, não necessariamente vê, em suas ações, aquilo que nós vemos e que atrelamos à dor.

e quem culpamos? o nosso movimento voluntário da necessidade de esquecimento nos priva do contato, cria nossa zona de conforto e extingue o medo de ter, presencilamente, nosso desafeto; o desafeto, em sua consciência, pode até não se ver como um propagador do desafeto em si mesmo e, por isso, volta à nossa área de trabalho como um arquivo morto que sai da lixeira sozinho. qualquer um dos dois está inteiramente livre de culpa, e isso se soma à nossa inquietação frente ao que não podemos controlar: agora, além de não controlar, não podemos culpar.

culpar é nosso. atribuir responsabilidade é humano. procurar receptores é o que nos move à compreensão total das coisas. quando nos é tirada a facilidade de imprimir culpa a algo ou alguém, voltamo-nos ao involuntarismo: 'não quis dizer isso', 'não quis pensar isso', 'não quis fazer isso'. quem quis, então? falta de sono, de sossego, de estabilidade, frutos da falta de culpismo.

cada vez que ficamos sem ter aonde ir, para onde correr ou o que fazer, somos compelidos, por determinismo, a construir um subterfúgio em cima do subterfúgio prévio. e o ciclo pode ir longe... percebemos que escapamos do escapismo da fuga do motivo que nos levou a criar um outro mundo onde estaríamos protegidos. ou seja, é um escudo para o escudo do escudo que falhou em primeira estância.
não, não somos complexos. nossas ações todas se justificam pelo triste fato de termos um passado que caminha ao nosso lado. o 'triste' aqui é condicional, claro, mas, se assim não o fosse, desde o primeiro parágrafo estaríamos livre do grande mal, do fugir. complexos seríamos se não pudéssemos criar todas essas terras em que podemos habitar durante o tempo em que nosso campo de visão está reocupado pelos motivos, que aqui personifico.

enquanto os olhos não virem, estamos livres. quando a cegueira optativa é obstruída por uma ação alheia a nós, precisamos do socorro de nós mesmos.

o melhor? depois de um tempo, depois de muita parede, de muito chão e de muita postergação de dor, tornamo-nos peritos em fugir. somos todos eternos outlaws de nós mesmos.