Kober's delusions

Uma válvula de escape para o dia-a-dia. Idéias, legendas e eficácia gramatical. Bom, bem coisa de louco mesmo.

terça-feira, janeiro 12, 2010

Educação Sentimental

educação sexual. educação física. educação doméstica. educação religiosa. educação moral. educação cívica. educação ambiental. educação formal. educação sentimental?
EU: olá. meu nome é bruno kober. 25 anos, professor, natural de porto alegre, graduado e pós-graduado em letras. e sou mal educado.

TODOS: olá, bruno!

EU: bem, resolvi me juntar a este grupo porque eu preciso assumir para mim mesmo que sou mal educado sentimentalmente.

desde muito pequeno, sentir sempre foi algo inconstante para mim. nunca tive muitos amigos ao meu redor durante a minha infância, então criei meus próprios mundos de diversão e de passatempo. era como se eu me bastasse, e qualquer outra alma brincante ao meu lado fosse
desnecessária. esse deve ser o motivo de eu me ter em tão alto conceito.

a escola era um capítulo à parte: sempre isolado, era o último na escolha dos times, mas o primeiro na leitura das notas. talvez ter a nota mais alta fosse um agrado que eu devia a mim mesmo: quando eu a conseguia, eu me fazia feliz. pensando por essa perspectiva, posso parecer portador de dupla identidade: duas pessoas, uma tentando fazer a outra feliz. nunca pensei por esse ângulo. será que sou doente?

não importa. eu vivia bem, pensava eu, nesse mundo, com vários mim mesmos. eu fazia listas, organizava nomes, classificava coisas. por várias vezes, fiz competições esportivas com mais de 50 participantes, todos revestidos de mim mesmo. eu tinha amigos; eles que não tinham a mim. no meio dos participantes, sempre punha algum de quem eu não gostava: o colega fortão que arrumava briga, a guria por quem eu estava pseudoapaixonado e que me fazia sofrer - voltemos a ela depois -, o capitão do time que me deixou na reserva. era engraçado me ver encarnando-os, pois era uma encorpamento a contragosto. eu inclusive os fazia errar o saque - na época, se a bola pegava na rede, desenhada na parede do lado de fora de casa, o saque era anulado.

de qualquer forma, era meu mundo, e eu achava o máximo ser tão popular: as pessoas, inconscientemente, claro, usavam meu corpo, em troca da minha amizade. e eu tinha paixões! na verdade, eu tinha o que os livros diziam ser paixões, afinal todos deveriam amar. mas eu sempre fui metidão: já saía logo querendo a guria mais bonita da turma. e, convenhamos, além de ser alegadamente cdf e socialmente estranho, eu era bem gordo. bem. mas acho que tudo tinha uma explicação: eu sabia internamente que não a teria, sob hipótese alguma. que mal teria em querê-la?

e um dia ela resolveu ficar comigo, sob pressão pesada da classe toda, que queria ver o circo pegar fogo: apenas mais umas estimulações risíveis. então eu tinha 14 anos, na festa de confraternização da oitava série, no final do ano, despendindo-nos da escola de ensino fundamental apenas. não seríamos mais colegas, não nos veríamos mais, precisávamos - precisavam, retificando - rir. era meu primeiro beijo, e a boca dela era a que eu tinha querido desde a quinta série. que dia!

eu costumava chamar a isso de amor. querer e não ter. a afirmação que se tornava causa natural da negação. mas nesse dia eu a teria. então, o guri mais popular da escola me disse, em tom militar: bruno, entra naquela sala, que ela logo vai lá. e eu fui - nunca me importei com o recebimento de ordens, nem com seu mandante. lembro-me de que sentei em cima de uma carteira, ansioso, talvez ansioso como nunca mais estivera em minha vida. meu coração não batia; ele fazia uma rave dentro da sua cavidade torácica. então, ela entrou.

estava de roxo, toda de roxo, inclusive, em um conjunto de calça-casaco moletom da minie. oitava série: ainda eram permitidos os conjuntinhos. quando ela começou a caminhar em minha direção, me dei conta de que eu não sabia beijar. no alto da minha solidão infantil, eu havia apenas treinado com laranjas e com o travesseiro, mas eles não haviam esboçado nenhum sentimento. ela me olhava com um ar que eu não sei até hoje definir, mas era algo entre a
lascívia pueril e a pena profunda, afinal, ela sabia do meu caso de amor platônico. então, postou-se na minha frente, em pé, enquanto eu sentava gordamente em cima da carteira. olhamo-nos: ela, vagamente, e eu, sedentamente. era o grande momento. amor!

os dentes se bateram algumas vezes. eu achei natural, visto que a falta de destreza gera a ignorância benéfica. para ela, certamente não era natural, pois já tinha suas peripécias amorosas aos montes. o próximo grande momento desastroso: o que fazer após o beijo? acabou, voltamos a nos olhar, sem dizer nada. peguei na mão dela e levantei - sim, ainda estava sentado -, e ela começou a caminhar. lembro-me de que tive que acelerar meu passo para que nossas mãos
continuassem entrelaçadas. antes de sair daquela sala, ela disse: bruno, eu saio agora e tu esperas mais um pouco. todos estão no lado de fora esperando, e não quero sair junto.

minha grande experiência amorosa e minha grande experiência dolorosa. quando saí, todos já tinham ido embora, cansados, provavelmente porque fiquei lá dentro mais de uma hora. no outro dia, fiquei sabendo que a primeira frase dela, depois de sair da sala, em meio aos 'e aí' e 'conta como foi', fez graça entre todos: ah, pessoal... vocês sabem que foi um favor!

nunca agradeci a ela o favor. talvez tenha sido grosseiro de minha parte, mas culpemos a minha falta de educação sentimental.

e cresci assim, com essa imagem de favor na minha cabeça. houve outras, obviamente, depois; uma, cheguei a namorar dez meses, lá pelos meus 17 anos. com ela pelo menos eu sabia como me portar: o primeiro beijo não foi em cima de uma carteira, e não peguei na mão dela depois: ela pegou. senti-me, lembro-me claramente, mais tranquilo por ter tido a mão pega: uma segurança estranha de quem já fora escaldado. mas acabou por eu não ter educação: ela gostava demais
de mim, e eu não sabia deixar alguém ser tão absolutamente louco por mim.

a minha falta de educação me levou longe. saindo da adolescência, comecei a entender que as baladas eram lugares de livre-atiração. mas não sou e nunca fui o tipo que 'chega'. aos 21 anos, num desses lugares de temporada eterna de caça, uma doce alma me olhou durante um tempo na noite. nessa época, eu estava mais apresentável e tinha um conhecimento de mundo um pouco maior sobre essas questões sentimentais, embora ainda não tivesse sido educado sobre o tema. então, ela me olhava, com um olhar que lembrava de longe o ar de luxúria da minha benfeitora, aos 14 anos. eu não entendia, ou entendia e achava impossível, ou não entendia mesmo. e ela dançava e olhava estritamente através de mim. quando ela tomou coragem e me disse um singelo 'oi', eu pedi desculpas e disse que não sabia que horas eram. virei-me, enrubecido, e fui embora.

as coisas melhoraram bastante depois de alguns amigos me dizerem que provavelmente ela estava querendo algo comigo. mesmo assim, não achava inteiro usar esses lugares como primeiras abordagens amorosas: a música era muito pesada, e nos filmes a trilha sonora do beijo é sempre de um cantor meloso, com um hit só. além disso, o casal sempre se conhecia antes, sabiam nomes, sobrenomes e profissão. quando comecei a pensar que minha educação deveria ser dada pelos filmes, novamente quebrei a cara. as pessoas são mais diretas que os personagens de closer. quando perguntei pela primeira vez o sobrenome da vítima, ela me olhou atônita e beijou outro cara, no meu lado.

eu queria um reformatório para mal educados. os pais sempre ameaçam seus filhos com colégios internos, viagens e casa da vó, mas nunca ameaçam com reformatórios sentimentais. eu teria sido um candidato aprumado. notei isso quando resolvi namorar de novo: aos 22, dessa vez, por apenas 3 meses; aos 22, ainda, por outros três meses; e aos 23, fazendo um revival dos 22, a mesma, por mais 3 meses. parece que eu estava começando a entender que amor era volátil, numa expansão temporal de, obviamente, três meses.

aos 23, por fim, começou minha maior prova, errônea, depois eu perceberia, de que eu estava finalmente educado! tanto estava certo de que eu havia-me graduado em educação sentimental que resolvi ingressar num namoro a distância! 697 ou 693 quilômetros a distância! prendado, cdf, primeiro da classe na disciplina! namoro a distância é só para quem tira primeiro lugar em educação sentimental.

então, passei dois anos e alguns vários meses com a ideia fixa de que eu era o suprassumo do assunto. além de ter aprendido toda a teoria, eu dava aulas, diárias, de como viver ducadamente. era um daqueles amores incondicionais, atemporais, intraíveis e provativos. um curso extensivo de prática sentimental. literalmente, nele eu testei todos os teoremas e fórmulas que eu conhecia.

após mudanças drásticas em termos habitacionais e sociais, a pseudoeducação me mandou ir atrás desse amor, e fui. finalmente, eu me sentia tranquilo, sem muitas novas teorias a serem aprendidas, desfrutando o que todos aqueles anos me tinham ensinado. mas nunca se aprende tudo nesse tópico. meu erro estava aí: achar que estava educado, achar que tinha sido o primeiro da classe, ou melhor, achar que tinha sido o único da classe. perdi o primeiro lugar em questões muito pragmáticas e, principalmente, demasiadamente velozes.

depois desse outro grande monumento à falta de educação, tive mais algumas intervenções acadêmicas, mas também não soube ter boas maneiras. tentei colar nas provas finais, mas o conteúdo das avaliações havia mudado no último momento. pelo menos isto eu aprendi: as provas de educação sentimental são sempre diferentes de um período para outro.

e é por isso que estou aqui, neste grupo de apoio aos mal educados. não sei mais a quem recorrer. a cada nova oportunidade sentimental, sinto o peso das reprovações nas minhas costas, como um aluno que aprendeu absolutamente todas as educações formais que a ele foram expostas, mas continua falhando, indeterminadamente, em todas as situações em que a vida lhe exige novos conhecimentos sentimentais. a recorrência do erro parece ter-me privado do elemento novo, e estou à beira de fazer uma transferência de responsabilidade ao mundo, por ele não ter me ensinado o básico nesse campo.

sinto vontade de processar alguém pela incompetência acadêmica que vi passar pelos meus olhos durante minha vida, mas acabo sempre retornando ao ponto em que me vejo no centro, não tendo sido aplicado o suficiente. sei que partilhar essas experiências com vocês poderá me dar novas perspectivas de ação, e por isso estou tão ansioso por ouvi-los relatar como vocês superaram a falta de educação.

obrigado pela atenção.

TODOS: bem-vindo, bruno. [palmas].

domingo, novembro 01, 2009

Recorrência Visional

já deve ter ficado claro, mas geralmente me engano quando penso que algo está claro para outra pessoa: não sou psicólogo. inclusive, meu diploma está muito distante de caracterizar-me como conhecedor da psiqué humana. o que penso e o que acho sobre as coisas do mundo são apenas pensamentos meus, nos quais acredito fortemente. então: não, não escrevo para atestar teses ou referendar teorias; escrevo porque o momento existe (obrigado, cecília); escrevo porque, sobretudo, meus sentidos existem e funcionam. meu mundo é fruto de uma eterna sinestesia do que meu corpo vê, cheira, sente, ouve e toca. portanto, meu mundo é só meu.
se a ignorância é uma bênção, o conhecimento, por silogismo, deve ser o oposto. obviamente, refiro-me à ignorância no sentido do desconhecimento de mundo, que nos é, geralmente, uma bênção. estar longe dos olhos é estar longe do pensamento, estar fora do campo de realização é não existir. e quando essa linha semi-inexistente entre a voluntariedade da existência do que não está correntemente dentro do nosso foco de visão torna-se nula, transpõe-se sem nosso consentimento ou simplesmente se dilui perante nossa vontade?

não há controle, o que nos sempre será um empecilho estrondoso. quando perdemos o domínio do painel de comando dos nossos próprios devaneios, voltamos a algum tipo de lugar do qual, vitoriosamente, saímos. e essa volta, doída pela natureza que ela mesma criara para defender-se, é involuntária. o involuntarismo [atenção, aurélio] é justamente o ponto de desenlace entre a sanidade e a perturbação, entre o conhecimento e a ignorância. mas não é nosso, obviamente.

manter-se distante do que nos remete a lugares odiosos, desumanos ou detonadores de outros próprios lugares tão penúmbres quanto o próprio lugar primeiro é tarefa quimérica por si. é simples: fugimos o quanto podemos, mas o motivo primeiro da fuga não tem essa exata noção do motivo por que fugimos. e, inocentemente, entrar no nosso campo de visão é uma ação, aos intuitos do motivo, benéfica, ocasional e até mesmo normal. o que quero dizer com toda essa verborragia é: cada um vê o mundo ao seu molde, e o outro, esse eterno famigerado que nos põe à prova de nós mesmos o tempo todo, não necessariamente vê, em suas ações, aquilo que nós vemos e que atrelamos à dor.

e quem culpamos? o nosso movimento voluntário da necessidade de esquecimento nos priva do contato, cria nossa zona de conforto e extingue o medo de ter, presencilamente, nosso desafeto; o desafeto, em sua consciência, pode até não se ver como um propagador do desafeto em si mesmo e, por isso, volta à nossa área de trabalho como um arquivo morto que sai da lixeira sozinho. qualquer um dos dois está inteiramente livre de culpa, e isso se soma à nossa inquietação frente ao que não podemos controlar: agora, além de não controlar, não podemos culpar.

culpar é nosso. atribuir responsabilidade é humano. procurar receptores é o que nos move à compreensão total das coisas. quando nos é tirada a facilidade de imprimir culpa a algo ou alguém, voltamo-nos ao involuntarismo: 'não quis dizer isso', 'não quis pensar isso', 'não quis fazer isso'. quem quis, então? falta de sono, de sossego, de estabilidade, frutos da falta de culpismo.

cada vez que ficamos sem ter aonde ir, para onde correr ou o que fazer, somos compelidos, por determinismo, a construir um subterfúgio em cima do subterfúgio prévio. e o ciclo pode ir longe... percebemos que escapamos do escapismo da fuga do motivo que nos levou a criar um outro mundo onde estaríamos protegidos. ou seja, é um escudo para o escudo do escudo que falhou em primeira estância.
não, não somos complexos. nossas ações todas se justificam pelo triste fato de termos um passado que caminha ao nosso lado. o 'triste' aqui é condicional, claro, mas, se assim não o fosse, desde o primeiro parágrafo estaríamos livre do grande mal, do fugir. complexos seríamos se não pudéssemos criar todas essas terras em que podemos habitar durante o tempo em que nosso campo de visão está reocupado pelos motivos, que aqui personifico.

enquanto os olhos não virem, estamos livres. quando a cegueira optativa é obstruída por uma ação alheia a nós, precisamos do socorro de nós mesmos.

o melhor? depois de um tempo, depois de muita parede, de muito chão e de muita postergação de dor, tornamo-nos peritos em fugir. somos todos eternos outlaws de nós mesmos.

terça-feira, maio 26, 2009

Fluências...

as pessoas nos filmes e nos seriados parecem mais interessantes. na verdade, não. o diálogo das pessoas nos filmes e nos seriados parece mais interessante. não há pausas dramáticas por falta de eloquência, não há vácuos perfeitos por necessidade de pensamentos remotos, não há vazios, em si, obstruindo a comunicação de dois mundos, três, quatro. enfim, não há realidade.

e quem nos incutiu essa ideia absurda de que a realidade é melhor que a ficção? quisera eu que fôssemos fluentes em todas as ocorrências linguísticas das 24 comunicativamente lânguidas horas dos nossos dias. ter um pressuposto, argumentar a favor dele e usar de toda a intelecção [palavrinha que parece estar na moda] de que dispomos não parece ser humano, mas ficcional, plástico, caricaturalmente teatral.

de mais a mais, mesmo nunca tendo conseguido entender o que essa expressão significa, mas percebendo seu valor edificante na construção sintática, ainda assim conseguimos algum tipo de abordagem civilizada entre os sapiens. e civilizada, obviamente, aqui se despe de muito do seu critério de homogenia semântica para recriar, com efusões de expectativa bem baixas, o que entendo por contato interpessoal. aliás, está na moda também falar sobre relações interpessoais, inter-humanas, interraciais, interpartidárias, interoescambal. quê?

confesso que sempre achei inúteis essas conversas de administradores, marqueteiros, recurseiros humanos e tralalá. nunca entendi o fundamento de se estudar a atitude de alguém numa entrevista de emprego, por exemplo. no meu entendimento, o bom senso, e não a teoria, rege esse tipo de situação. quem não tem bom senso não deve conseguir o trabalho, e esse é o máximo da potente teoria em que eu consigo pensar usando o próprio bom senso.

a realidade é que estamos nos acostumando a ser cada vez mais guiados por forças maiores que nos ditam regras recém-criadas sobre comportamento, conduta, localização das mãos e posição dos olhares. o mundo está mudando para pior, e quero me congelar. antigamente, nao conhecíamos a maldita pedagogia do oprimido / reprimido / autoritário / whatever e todos aprendíamos na escola; não usávamos cinto de segurança dentro da cidade e muito pouca gente morria por acidentes de trânsito; fazíamos provas superlongas na faculdade e não reclamávamos; dizíamos 'eu te amo' e condizíamos com essas três perversas palavras. o mundo mudou ou nossa visão de mundo mudou para uma tonalidade esbranquiçada, esverdeada, escurecida, avermelhada? nem as cores são mais as mesmas. elas são todas [-adas], não são inteiras, não são completas.

estamos, sobretudo, nos moldando a tipos plastificados, embaladas e rotulados "para viagem". acatamos ideias sem reduzi-las ao mínimo pensamento lógico; seguimos instintos primitivos do antigo bom selvagem; sentimos sensações novas que sequer conhecíamos e chamamos de amor. o manezinho de 13 anos atrás da janela do msn não sai mais de casa para ter o contato interpessoal que tínhamos e...

hum... contato interpessoal. 80% dos estudantes de graduação estão matriculados em alguma área que passa, invariavelmente, pelo estudo dos contatos interpessoais, enquanto a geração que está vindo não parece conhecer o próprio contato interpessoal. estamos fabricando mais enlatados teóricos prontos para despejar conhecimento retrógrado num mundo que nem sabe qual é a sua identidade.

mas os personagens das séries americanas... esses, sim, sabem como ser interpessoais. suas discussões de relacionamentos, as exuberantes DRs, sempre beiram a poeticidade perdida dos parnasianos, com construções perfeitas e frases de efeitos plurissignificativos. eu choro vendo o último episódio de friends uma vez por mês. e sabem qual o máximo da eloquência do episódio? a última fala, que, do alto do seu 1 milhão de dólares por ator, rendeu apenas um 'WHERE?' retumbante num silencioso olhar de seis.

ah, os olhares eloquentes...

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Perto. Perto Demais.

e eis que closer parece ter-se tornado o filme da minha vida, apesar de tortuosidades de que ele me faz lembrar. ao invés de escrever, eis o script da exata parte do filme que retrata a vida. conclusões particulares, atitudes universais.

DAN: This will hurt. I've been with Anna. I'm in love with her. We've been seeing each other for a year. It began at her opening.
ALICE: I'm going.
DAN: I'm sorry.
ALICE: Irrelevant. What are you sorry for?
DAN: Everything.
ALICE: Why didn't you tell me before?
DAN: Cowardice.
ALICE: Is it because she's successful?
DAN: No, it's because she doesn't need me.
ALICE: Did you bring her here?
DAN: Yes.
ALICE: Didn't she get married?
DAN: She stopped seeing me.
ALICE: Was that when we went to the country to celebrate our third anniversary? Did you phone her, beg her to come back? when you went for lovely walks?
DAN: Yes.
ALICE: You're a piece of shit.
DAN: Deception is brutal. I'm not pretending otherwise.
ALICE: How? How does it work? How do you do this to someone?
ALICE: Not good enough.
DAN: I fell in love with her, Alice.
ALICE: Oh, as if you had no choice? There's a moment, there's always a moment, "I can do this, I can give in to this, or I can resist it." And I don't know when your moment was, but I bet you there was one. I'm gone.
DAN: It's not safe out there.
ALICE: Oh, and it's safe in here?
DAN: What about your things?
ALICE: I don't need "things."
DAN: Where will you go?
ALICE: Disappear. Can I still see you? Dan, can I still see you? Answer me.
DAN: I can't see you. If I see you, I'll never leave you.
ALICE: What will you do if I find someone else?
DAN: Be jealous.
ALICE: You still fancy me?
DAN: Of course.
ALICE: You're lying. I've been you. Will you hold me?
ALICE: I amuse you but I bore you.
DAN: No. No.
ALICE: You did love me?
DAN: I'll always love you. I hate hurting you.
ALICE: Why are you?
DAN: Because I'm selfish. And I think I'll be happier with her.
ALICE: You won't. You'll miss me. No one will ever love you as much as I do. Why isn't love enough? I'm the one who leaves. I'm supposed to leave you. I'm the one who leaves.
She starts kissing him.
ALICE: Make some tea, buster.

e, no outro lado da cidade...

ANNA: Why are you dressed?
LARRY: Because I think you might be about to leave me, and I didn't want to be wearing a dressing gown.
LARRY: I slept with someone in New York. A whore. I'm sorry.
ANNA: Why did you tell me?
LARRY: I couldn't lie to you.
ANNA: Why not?
LARRY: Because I love you.
ANNA: It's fine.
LARRY: Really? Why? Something's wrong. Tell me. Are you leaving me?Anna nods.
LARRY: Because of this? Why?
ANNA: Dan.
LARRY: Cupid? He's our joke.
ANNA: I love him.
LARRY: You're seeing him now?Anna nods.
LARRY: Since when?
ANNA: Since my opening last year. I'm disgusting.
LARRY: You're phenomenal. You're so clever. Why did you marry me?
ANNA: I stopped seeing him. I wanted us to work.
LARRY: Why did you tell me you wanted children?
ANNA: Because I did.
LARRY: And now you want children with him?
ANNA: Yes... I don't know.
LARRY: But... we're happy. Aren't we? You're going to go and live with him?
ANNA: You stay here if you want.
LARRY: Oh, look. I don't give a fuck about the spoils. You know, you did this to me the day we met. You let me hang myself for your amusement. Why didn't you just tell me the moment I walked through the door?
ANNA: I was scared.
LARRY: You're a coward, you spoiled bitch. Are you dressed 'cause you thought I might hit you? What do you think I am?
ANNA: I've been hit before.
LARRY: Not by me! Is he a good fuck?
ANNA: Don't do this.
LARRY: Just answer the question. Is he good?
ANNA: Yes.
LARRY: Better than me?
ANNA: Different.
LARRY: Better?
ANNA: Gentler.
LARRY: What does that mean?
ANNA: You know what it means.
LARRY: Tell me.
ANNA: No.
LARRY: I treat you like a whore.
ANNA: Sometimes.
LARRY: Why would that be?
ANNA: I'm sorry you're a...
LARRY: Don't say it. Don't you fucking say "You're too good for me." I am, but don't say it. You're making the mistake of your life. You're leaving me because you believe that you don't deserve happiness, but you do, Anna. Did you have a bath because you had sex with him? So you wouldn't smell of him. So you'd feel less guilty? How do you feel?
ANNA: Guilty.
LARRY: Did you ever love me?
ANNA: Yes.
LARRY: Did you do it here?
ANNA: No.
LARRY: Why not?
ANNA: Do you wish we did?
LARRY: Just tell me the truth.
ANNA: Yes, we did it here.
LARRY: Where?
ANNA: There.
LARRY: On this. We had our first fuck on this. Did you think of me?
LARRY: When? When did you do it here? Answer the question!
ANNA: This evening.
LARRY: Did you cum?
ANNA: Why are you doing this?
LARRY: 'cause I want to know.
ANNA: First he went down on me, and then we fucked.
LARRY: Who was where?
ANNA: I was on top, then he fucked me from behind.
LARRY: And that's when you came the second time.
ANNA: Why is the sex so important?
LARRY: Because I'm a fucking caveman! Did you touch yourself while he fucked you?
ANNA: Yes.
LARRY: You wank for him.
ANNA: Sometimes.
LARRY: And he does.
ANNA: We do everything that people who have sex do!
LARRY: You enjoy sucking him off.
ANNA: Yes!
LARRY: You like his cock.
ANNA: I love his cock!
LARRY: You like him cumming in your face.
ANNA: Yes!
LARRY: What does it taste like?
ANNA: It tastes like you but sweeter!
LARRY: That's the spirit. Thank you. Thank you for your honesty. Now fuck off and die, you fucked up slag.

e é assim que as coisas são. no começo, no meio, no fim... elas são assim. a arte retrata a vida.

terça-feira, dezembro 30, 2008

Apodrecimento Onírico

e eis que somos uma mistura dos nossos sentimentos, todos redundantes e retorcidos, que insistem em povoar nossas imaginações e nossos sonhos. chegamos a um determinado ponto em que muito pouco podemos fazer para controlar o que queremos controlar, ou sequer ter domínio sobre o que acontece conosco a partir do momento em que encostamos nossas cabeças no travesseiro e adormecemos.

recursivamente, tenho-me encontrado diante de sonhos com as mesmas pessoas, dia após dia. vejo-me nas mais comicamente irônicas situações, que não posso controlar. mas não fomos feitos para não controlar, pelo contrário: a nossa necessidade de controle é tão grande que nos sentimos mais do que frustrados quando os fatos nos escapam pelos dedos sem nosso aval. o sonho é, para mim, o todo hermético mais impotente do ser.

um prato cheio para freddy krueger. lá, nos sonhos, somos criaturas que levam consigo os amores e os ódios que passam em nossas imaginações durante o dia, mas nos despimos do senso de limite que temos enquanto seres diurnos. os segredos são verdades universais, os desafetos dormem em nossas camas e os triângulos ainda têm três pontas. se fossem eles representações vivas e animadas daquilo que nosso espírito de fato quer que se concretize, os meus, ao menos, seriam diferentes, salvo, obviamente, algum caso de autoenganação, mas é melhor deixar tal pensamento para depois...

se existe uma linha que claramente separa o universo onírico do real, ela é um tipo de semideus. quando queremos cicatrizar, os sonhos vêm empolgados nos lembrar de que ainda há histórias mal resolvidas, que talvez sequer mereçam resolução eloqüente [pausa dramática para o último uso de trema licenciado..........................................]. esse ser monstruoso chamado sonho nos traz para a terra quando estamos conseguindo tirar os pés do chão e sublimar situações que não deveriam ter sido vividas, ou enfim. mas há a linha tênue superclichê, aquela que nos faz acordar, a mãe chamar ou o relógio despertar. e, então, somos sugados para a realidade que, por várias vezes, é muito melhor do que o sonho perfeito.

o mundo dos sonhos é idiota, é hipócrita, é fútil: apega-se a elementos que são velhas causas de dor e nos transmuta para o universo em vias de superação. há pílulas para dormir; não há, infelizmente, pílulas que nos tiram o sonho. hoje, passando por um processo de estabelecimento de novos rumos, eu não quero mais sonhar, porque eles me revivem rostos que putrefam na minha história.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Créditos em Morfina

tenho créditos com o universo. eternamente.
aliás, se eu quisesse cometer o maior crime do mundo agora, neste momento, eu receberia o perdão do cosmo [clichê], pois tenho várias fichas em aberto com ele.
morfina. é isso que nossos dias aparentam ser, por vezes. só mais uma dose, só mais uma sensação, só mais um suspiro, só mais um paliativo. crescer dói, e encarar a vida de frente é tarefa para poucos. mas a morfina acaba, sempre, justamente na hora em que devemos escolher em qual dos times entraremos: no dos fortes, para encarar essa vida aí, ou no dos fracos, para procurar válvulas mais entorpecidas de disfarces subterrâneos pré-fabricados, ou seja, uma fábrica de morfina "do it yourself". ou melhor, fracos não.
o segundo grupo não é bem dos fracos: é dos poetas byronianos, ultra-românticos [com o senso pejorativo mesmo], pessimistas e evadidos da vida real. conheço porque vivo nesse grupo durante alguns bons momentos do meu dia. vingança, escuridão e "inatingibilidade" são guias históricos desses caras, e de quem está na turma. o pensamento do impossível mistura-se com um escapismo meloso, rotineiro, diário, natural e, por fim, desgastado. não é fácil viver nesse grupo, já que os horizontes são janelas herméticas, sem vistas algumas.

e o grupo dos fortes? esses vão à luta e cobram os créditos em aberto, supracitados. não ligam para o acontecimento nevrálgico em si, mas para as possíveis conseqüências dele. e eis um ponto de encontro: o futuro. ambos visualizam o mesmo horizonte: superar. ambos tomam caminhos que serão tortuosos por fim, pois mesmo a força gasta no esquecimento consome os poucos traços vitais que existem em nós. e, para os outros, viver afundados no spleen da alma é tortura chinesa. a diferença é que a tortura é sádica: queremos a tortura; a tortura nos leva adiante.

enfim, recompostos pelo time a que passamos a pertencer, já que a divisão da dor com outros viventes diminui a aflição, resta uma esperança. sabe-se lá qual ela seja, mas sempre resta. a volta, o fim, o começo, o novo elemento. é de nossa natureza querer se agarrar a algo maior para dar um próximo passo. e quem pode recriminar?

recriminações, morfinas, créditos, forças e fraquezas. no final, dá tudo na mesma. a noite vai chegar, tudo vai estar no mesmo lugar, mas as luzes, ao se acenderem, não vão revelar o que falta no quarto, pela simples inexistência do elemento.

e assim as coisas vão tomando formas, jeitos e rumos com os quais nunca sonhamos. afinal, quem pode prever que o certo se tornaria impossível, ou que o futuro do presente se tornaria futuro do pretérito? nem a morfina, esse anti-herói, consegue garantir o próximo alívio. o jeito é, mesmo, aprender que tudo é paliativo, recursivo e, infelizmente, efêmero demais para ter um próximo dia.

domingo, outubro 19, 2008

Não Existência

o tempo nos rodeia o tempo todo. driblar a ansiedade e agir impulsivamente são elementos que se alternam dentro de nós. mas como se chega a uma determinada solução para os problemas do hoje sem ter de lidar com o tempo? simples: não se chega. aprendemos tudo por experiência: cair, levantar, falar, sentir, odiar, amar, resmungar e ameaçar. mas não aprendemos a esperar. pelo menos eu nunca aprendi.

tomar decisões no afã do momento sempre foi um dos meus traços mais expressivos. não gosto muito de dar pensamentos a assuntos que parecem óbvios, embora emocionais. assuntos lógicos e emocionais sempre existiram, e a mim estão andando sempre juntos. mas eu não consigo dissociar o agir do sentir. se eu sinto determinada função integrante dentro de mim, pratico-a, sem dar visibilidade às conseqüências que existirão. e às vezes não são boas.

o mais interessante disso tudo é como o próprio tempo consegue fortalecer os laços da ansiedade. quanto mais o tempo passa, mais vontade de fazê-lo passar existe e, por vezes, mais a dor se intensifica. hoje, há uma montanha russa de elementos invisíveis e doloridos dentro de mim: acordo bem, levanto mal, escovo os dentes bem, vejo meus e-mails mal... e assim tudo se reveza, como se uma grande rodovia turva e sinuosa fossem meus sentidos.

e o feedback? inexiste. assim como ele, inexistem razões para acordar, levantar da cama, escovar os dentes ou ver os e-mails: uma eterna cadeia em que, se o primeiro elementos for um constituinte preso a antigos conceitos de dor, os próximos, que a ele se ligam, também estarão defeituosos. e sobrepor uma cadeira à outra, nossa, é laboroso demais! não existem somente frutos velhos dentro de uma cadeia: existem frutos que seriam futuros, mas que foram podados.

e como ela se encaixa no que acontece diariamente? volta o tempo. para alguns, o novo dia que está surgindo desfaz a existência de um dos elementos dessa cadeia que se completa, e, por fim, ao cabo de algum tempo, a cadeia se fecha e se torna passado, completamente. inveja.

sou saudosista de primeira linha. gosto da música dos anos 80, gosto de como a gramática era tratada antes do advento da lingüística, gosto de como os clássicos escreviam as melhores obras da literatura, gosto dos primeiros filmes de terror, por mais defeituosos que sejam. e gosto, acima de tudo, da rotina improvisada que se cria na cadeia de relacionamentos a que estamos dispostos. gosto de ser visionário em relação ao velho: renovação. gosto de sentir o gosto do antigo sempre existindo. e não perco o gosto.

mas, como eu dizia, não parece haver saída para um saudosista que perde as armas da batalha vivida por anos, a não ser a dor de viver com a normativização do novo. ver a situação nova que se desenvolve, em detrimento da situação velha que era confortante, planejada e loucamente abusada em termos de viver o que havia para viver, sobrepor-se à cadeia antiga, das coisas naturais e normais, atinge de uma forma o que eu entendo por coração que punge da vida a própria morte. e não faço isso por querer: faço isso por ser natural, por não haver próprias saídas para um bem que era comum.

o bem comum... incrível é a forma como uma simples pessoa detém o poder do bem comum, contra o próprio bem comum. explico-me: a situação torna-se normal aos olhos de todos, e todos - por todos, entende-se tudo e todos que estão ao redor da cadeia normal e velha - esperam, prevêem e desejam que a cadeia nunca se quebre. oras, pessoas boas querem o bem da cadeia; pessoas boas se acostumam com a cadeia. mas alguém, um só elemento da cadeia, pode pôr tudo a perder. e esse perder não se refere a uma situação de ter ou deixar de ter, uma situação de posse: refere-se a uma situação de vida, em que tudo deve ser apagado para o bem do novo.

e a pergunta que fica, instigantemente, na minha cabeça, é: como o velho, o detentor do velho, o que viveu o velho, o participante da velha cadeia deve-se comportar com a cadeia nova? vê-la se desenvolver, sem ter a participação que tinha? acostumar-se com a novidade e deixá-la fluente no mundo? exaurir do tempo a forma de prevenção e antecipar-se na criação de outra cadeia? ou esperar? esperar o tempo agir e, posteriormente, colher frutos usados? não é uma decisão fácil, porque o sucesso da cadeia nova está em jogo.

enquanto driblo a ansiedade e não dou tempo ao tempo, penso nessas coisas... ser constante no desespero de querer mudar o que não está certo? lutar pela cadeia velha, ainda tão viva? torcer para que os deuses influenciem a cadeia nova da pior forma possível? ou simplesmente se dar por vencido, retirar o time de campo e voltar às favas com essa miséria de vida que sobra? por enquanto, o que sobra é a vontade de inexistir em constante abundância, de ser apenas mais um agente do niilismo, um protozoário sem importância na vida do mundo.

cadeias, tempos, ansiedades e inexistêcias. ninguém nunca me disse que eu deveria dar uma posição a essas coisas na minha vida. urgentemente, o currículo das escolas precisa de reformulação.

terça-feira, julho 24, 2007

Alteridade no Luto

Sempre senti vergonha pelos outros. Ao ver uma cena idiota, uma pessoa fazendo algum tipo de atitude infeliz, a mocinha correndo para o lado em que o monstro está, o político fazendo gestos obscenos, meu artista favorito desafinando, enfim, sinto vergonha por eles, como se de mim adviessem todos os passos necessários para a não-realização da ação no momento preciso. Isso nunca mudou, obviamente, a existência propriamente dita dos feitos, mas mudava minha forma de ver a própria situação. E eu me sentia mais humano com isso, me compadecendo por algo de que eu não tinha culpa.

Essa visão do outro e decorrentes sentimentos não-meus me creditavam uma espécie de limbo humanístico, em que eu me via como um ser bom, desprovido de todos os traços não bons que perfazem um tipo de identidade minha. E eu me sentia bem, afinal eu conseguia me pôr a serviço de uma alteridade decente, crível e exeqüível, ainda em desuso pela maioria de nós.

Mas alteridades não são confiáveis em sua totalidade.

Todos sabem o que aconteceu semana passada com o Airbus da Tam. Tragédias desse tipo me abatem de alguma forma inexplicável, mas acho que isso é senso comum no nosso país. Somos solidários por natureza, e quem não o for recebe o moroso convite de não se considerar brasileiro. Eu me considero um, a contragosto de diferentes maneiras.

Mas me ponho na posição de me sentir mal ao ponto de estar no mesmo nível da vergonha que sinto por certas pessoas, como disse antes. Ponho-me, inclusive, na posição de ter o direito de lamentar por isso como lamenta quem foi diretamente afetado com o acidente. Eu não conhecia ninguém naquele vôo, minha vida de certa forma não teve um abalo sísmico com a notícia, eu não precisei ir a enterros e nem ficar no aguardo de informações sobre alguém em específico. Porém, foi como fosse. Fosse simples como fosse me afastar, negar envolvimento e culpar o governo. Simples como continuar minha vida normalmente, apenas me compadecendo com o ocorrido. Como lavar as mãos. Não sentir culpa. Menos humano. Não.

Não faz parte de mim a abstenção em momentos como esse. Não quero a glória de ter entendido a alteridade plena nessa situação, porque a visão do outro, aquele que perdeu alguém, jamais seria a minha visão. Não posso subir a esse nível hoje, justamente pela incompatibilidade de vidas e de rumos que decorreram de tais situações. Todavia, eu ainda me dou o direito de estar de luto, como fosse um luto de protesto, de resguardo, de quem está enfezado com a vida que levamos, com a possibilidade de não voltar para casa, de não haver próximo dia, de não ser dono completo do meu futuro, como deveria ser. Um luto cadavérico, agonizante, angustiante, impotente, convalescente, coalescente.

Mesmo sem ocupar o lugar de quem tem todo o direito de sofrer, eu quero ter o direito de enlutar. Mesmo que o enluto seja um simples desabafo, um porto-seguro de raciocínio e não-comprometimento. Não vou processar pessoas, achar culpados, dirimir vôos e relocar modos de sobrevivência. Não prometo conforto, não prometo paz e não prometo acabar com a agonia de ninguém. Nem com a minha.

Prometo apenas tentar diminuir a minha própria aflição, olhando para a frente e prevendo, suspeitando e tangendo uma vida um pouco menos enlutada. O luto é parte da vida do brasileiro: saímos de um e entramos noutro, embora poucas vezes por motivos que nos sejam pertinentes de forma direta. Enlutamos pelo vizinho, pelo colega, pelo amigo do amigo, pela terceira geração de parentes, pela vida de alguém que nunca nem passou diante de nossos olhos. Enlutamos pela falta de caráter de alguém, pelo descompromisso do país, pela total ineficácia de um sistema. Enluto por fatores que nos privam de viver, de projetar o que vem.

Sem a arrogância de querer o sofrimento puro da tragédia para mim, sem a trepidez de me sentir no cerne do problema, sem a pretensão de viver o problema como quem deve o viver, eu me sinto em dívida com a alteridade da situação, sem nunca poder entendê-la como um todo, sem chegar aos cem por cento. Mas me predisponho a sonhar com o dia em que a alteridade será simplesmente compreensível a todos, o dia em que poderemos entender todas as alegrias por que os outros passam.

Prefiro a alteridade das coisas boas à alteridade de entender o final, mesmo momentâneo e metafísico, da vida de alguém.

sábado, agosto 05, 2006

Biografia Isomórfica e Idiossincrática

é engraçado como estamos sempre diante de momentos que nós mesmos julgamos ser únicos, quando, na verdade, não passam de alguns outros simples acontecimento na vida de qualquer mortal. uma prova, um beijo, um abraço, um não, um sim, uma reviravolta, um plano, um acontecimento, uma imprevisibilidade. dizem  que todas essas coisas são dignas de entrarem na nossa biografia. eu não as quero na minha biografia. certamente nem ao menos sei o que quero, mas essas coisas eu não quero. coisas que são pseudoimportantes momentaneamente não me fazem bem; preciso de tempo. é engraçadado, da mesma forma, como o tempo serve para tudo. parece que estamos sempre numa guerra infindável contra o tempo, da mesma forma como precisamos dele por outras diversas vezes. eu, particularmente, tenho uma relação de amor e ódio com ele. ele me faz relevar coisas que eu não queria relevar, perdoar a pessoas que eu não queria perdoar, viver situações novamente que eu não queria viver. parece que minha memória mundana está sempre se perfazendo temporalmente, buscando pequenos detalhes do passado e ressignificando-os. o tempo é inimigo da experiência na minha vida. tudo o que vivi há um ano atrás não deveria estar acontecendo novamente se o tempo não me tivesse feito perdoar a pessoas e manter sentimentos. isso me torna volúvel demais; volubilidade, para alguém inconstante, é simplesmente uma mistura casi-letal. por que diabos eu deveria escrever uma biografia se os fatos serão recursivos? escrevo a biografia de um ano da minha vida então e a copio nos outros anos... 2006 idem a 2005; 2003 idem a 2005; 2004 idem a 2005. não tem graça!

mas o tempo tem sua faceta benevolente: ele me faz reaver conceitos. talvez a culpa tenha sido minha em certos momentos, então retomo a situação e tento corrigi-la para o futuro, já que sei que as coisas na minha vida são recorrentes. é como um cigarro acesso para alguém sem mãos: diante dos olhos, a felicidade plena. com ela, o sentimento de impossibilidade de fazer-se algo, pois as próprias forças são limitadas por um fator externo. é como ter quem se ama na frente, a centímetros, e não poder agir, ter de contentar-se com o olhar, com a palavra, com a dança, com os movimentos. mas, como tudo na vida de um inconstante, as coisas vão perdendo seu valor - claro, vão perdendo seu valor porque nunca quiseram ter o valor que foi dado a elas. o olhar vai-se apagando; a palavra vai ficando sem cor, rouca, afásica; a dança vai-se tornando um lugar-comum; os movimento vão adquirindo sempre os mesmos passos ritmados, sem variações. o conjunto como um todo vai adquirindo um outro significado, e vou percebendo que a importância que um dia dei a esse conjunto foi uma importância doentia, uma importância irrelevante, uma pseudoimportância. tais coisas merecem entrar na biografia?

bom, contradigo-me e digo que sim: devem. uma boa biografia inclui as vitórias, as conquistas, aquilo que conseguimos por nossos próprios méritos; uma boa biografia inclui as derrotas, o fracasso, a chance perdida, a felicidade jogada fora, a possibilidade falha de fazer novamente de forma correta e plena. porém, uma boa biografia não inclui todas essas situações quando não se tentou. quando cheguei à derrota, eu visara à vitória por tempo integral; quando cheguei ao fracasso, eu projetara coisas incríveis não só para mim; quando cheguei à chance perdida, eu dera vazão à chance de acontecer; quando eu cheguei à felicidade jogada fora, eu planejara uma felicidade ambígua, biforme, bilateral, isomórfica, idiossincrática; quando eu cheguei à possibilidade falha, eu vi, depois, que todos os meus argumentos haviam sido vãos, à toa, haviam sido individuais. então, o fato entra na biografia, pois experimentei das formas mais corretas para conseguir realizá-lo. e toda tentativa é livre, é segurada pela possibilidade de chegar-se ao destino planejado. se não se chegou, bom... percalços há no caminho. mas eu não os pus lá. e isso eu não posso controlar. enfim, entram na biografia por dois motivos: foram importantes, foram intensos, foram universais, foram diários, foram provocantes, foram sonháveis, foram quase realizáveis; e foram tentados. a realização é conseqüência.

a decisão é esta: terei duas biografias: a em que entrarão coisas feitas, projetos cumpridos e sonhos realizados, e a em que entrarão as tentativas. o tamanho de cada uma depende da interferência do fator 'o próximo' na minha vida. mas serão isomórficas e idiossincráticas, disse eu tenho certeza.

sábado, junho 03, 2006

Ressignifcações e Expansões

é interessante como as coisas têm a possibilidade de ressignificação... o que era verdade ontem pode simplesmente passar a seu oposto, ou perder um pouco do sentido básico que portava no passado. mas acho que estou falando de dois processos diferentes. ressignificar parece diferente de expandir sentidos... se eu ressignifico alguém, obviamente, não necessariamente vou ao outro extremo e atribuo a essa pessoa o sentimento oposto ao que eu sentia, mas simplesmente adiciono um sentido que se afasta, claramente mas não talvez totalmente, do sentido básico. acho que é aqui que entra o conceito de deslize de sentido, do qual falei no outro post. quando eu expando o sentido, porém, eu não falo de extremos, nem sequer me refiro a deslizes de sentido: eu simplesmente atribuo coisas novas a um significado já inerente à pessoa. e eu acho que nós vivemos ora expandindo os sentidos das pessoas, ora ressignificando as pessoas de acordo com as situações que nós mesmos vivemos ou que nos são impostas. eu, particularmente, inconstante em quase tudo que sinto e que faço, ressiginifico tudo semanalmente. talvez isso não seja tão louvável quanto pareça, pois pode até mostrar um fundo de mudança aleatória que certamente vai de encontro à constante que o mundo às vezes nos exige. mas eu faço expansões, certamente, e com esse critério eu não me preocupo tanto. creio ser bom expandir; creio que a expansão abra formas novas de verem-se as coisas do próprio mundo, o que faz a expansão um processo quase natural nas pessoas. se eu ressignifico, a origem do processo pode ser diferente, ou seja, posso fazê-lo por condicionamentos bons ou ruins... se eu expando, faço-o como decorrência, geralmente, de boas ações, pois, se as ações que me impulsionam fossem ruins, eu ressignificaria ao oposto o sentido de determinada pessoa. se é bom, porém, eu simplesmente expando. e assim construímos as identidades alheias dos outros para nós: se alguém é a junção de toda a natureza ao seu redor (quem pensa que é, quem os outros pensam que é, as informações que recebeu durante toda a vida para ser, as instruções de não ser, enfim...), cabe a mim criar a matriz dos traços expandidos da pessoa, não? claro, é aqui o momento em que podemos ser o dono do mundo, inventando personalidades, carências, sobras... e ser o dono do mundo apetece a muita gente - a quase todos. se não o somos pelas vias naturais - 'dono do mundo', sem expansões e sem ressignificações - , podemo-lo ser assim, ilusória e utopicamente. ressignifiquemos, amigos! expandamos os sentidos! eu pelo menos continuarei assim... afinal, sou apenas constante na inconstância.

sábado, maio 13, 2006

Práxis

ando em busca do estímulo certo para fazer as coisas cujos prazos têm cada vez mais ficado perto do fim. mas esse tópico vai ser, diferentemente dos outros, leve e sereno. não que ele reflita cem porcento a fase que estou vivendo, até mesmo porque acho que nunca vou estar cem porcento leve e sereno. mas tenho sentido uma maior força surgindo nos últimos dias. acho que, de certa forma, tenho rompido com resquícios do passado que ainda me faziam pensar sobre coisas que não aconteceram por N motivos, e isso tem-me feito bastante bem. da experiência pessoal para a argumentação... da experiência pro wannabe-empírico. e, se temos tal experiência, o que falta para que o wannabe torne-se de fato o simples be, o simples factual? se disponho de armas para saber o que esperar de certas situações, que eu as use! de qualquer forma, a transposição da teoria para a prática sempre foi algo que me fez sentir descompassado. a teoria X pode explicar o mundo, desde que as coisas sejam somente ideias, não reais. a realidade sempre surge para colocar a teoria à prova, e a teoria cai por terra por vezes. mas ainda acho que há formas mais sensíveis de explicarem-se certos fenômenos que devem ser simples por natureza, mas que a paradoxal natureza humana, sobrepondo-se à simplicidade do resto da própria natureza, que não a humana, teima em tornar difícil. os relacionamentos deveriam ser simples, a vida profissional deveria ser simples, a motivação financeira deveria ser simples. nesse caso, creio que a simplicidade entraria em choque com a normalidade. explico-me: para que as coisas fossem de fato simples, precisaríamos de que elas todas fossem comuns a todos, não atiçando a própria natureza humana. se comuns a todos, não há como se almejar algo diferente, pois o diferente não existiria. a não-existência do diferente criaria um mundo vigiado pelo big brother, já preconizado por orwell. as pessoas seriam simples átomos de uma sociedade que deve funcionar da maneira X. não. não daria certo. não haveria consciência de que existem outras possibilidades, mas até fazer com que a consciência não exista, já nos perderíamos. não dá. não faz sentido. teoria falha, caída por terra, desmontada pela praticidade das ações humanas. bom, culpa de quem? da existência de escolhas! mas ela vai continuar existindo. não é tão fácil fazer com que teoria e prática se adjunjam. é melhor deixar as coisas como estão. mas eu estou feliz. estou feliz porque estou quase lá, quase na minha adequação semântica projetada. e não é tão complicado ter prazer em dar prazer. é?